DO FITNESS AO WELLNESS: OS TRÊS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO DAS ACADEMIAS DE GINÁSTICA


Roberto Pereira Furtado*
RESUMO

O artigo refere-se às transformações ocorridas em academias de ginástica ao longo de sua história. A elaboração aqui apresentada é resultado de uma pesquisa desenvolvida na cidade de Goiânia, por meio de entrevistas com professores e coordenadores de academias, bem como observação participante e análises de documentos. Nota-se que as academias passaram por três estágios em seu desenvolvimento histórico e esses estágios são determinados pela intensidade de inserção da racionalização da produção. Atualmente podem ser encontradas academias que se aproximam de todos os três estágios, pois o desenvolvimento referido acontece de forma desigual. A mudança da terminologia utilizada pela academia, do fitness ao wellness, expressa de forma emblemática as transformações em questão.
PALAVRAS-CHAVE: Academias de Ginástica – História – Fitness – Wellness

INTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO
É notório o movimento realizado pelas academias de ginástica em relação às mudanças nas características de sua organização. Visando compreender esse movimento, este artigo sintetiza parte de uma pesquisa elaborada durante os anos 2006 e 2007 em academias de ginástica da cidade de Goiânia. Foi realizado um estudo etnográfico, com observação participante, análise de documentos e entrevistas a coordenadores e professores de seis academias goianienses, bem como observação em academias de outras cidades.
As seis academias foram selecionadas com o intuito de perceber as transformações ocorridas em academias de ginástica ao longo de sua história, portanto, duas academias pequenas e pouco desenvolvidas foram selecionadas, duas de porte médio, sendo uma recém inaugurada e uma com mais de dez anos e outras duas grandes academias, também com mais de dez anos de existência. Essas academias mais antigas permitem perceber o movimento dessas mudanças dentro de seu próprio contexto histórico. Como academias pequenas foram consideradas aquelas com menos de 400 alunos e menos de 500m² de área construída, como academias médias foram consideradas aquelas entre 400 e 1000 alunos e entre 500m² e 2000m² de área construída, academias grandes aquelas entre 1000 e 2500 alunos e 2000m² e 5000m². Acima desses números seriam mega-academias. Ao todo foram entrevistados quatorze professores e sete coordenadores. Visando preservar a identidade dos sujeitos entrevistados, os professores e coordenadores serão denominados de acordo com a academia a qual pertencem e modalidade que trabalham, sendo que as academias pequenas serão chamadas de P1 e P2, academias médias de M1 e M2 e academias grandes de G1 e G2. Além disso, os professores de musculação serão chamados de M, os professores de ginástica de G e os coordenadores de C.
OS TRÊS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO DAS ACADEMIAS DE GINÁSTICA
A academia de ginástica como um espaço para a realização de práticas corporais é algo novo. De acordo com Nobre (1999), o termo “academia” apenas foi se estabelecer definitivamente, no Brasil, no início da década de 1980. Porém, o mesmo autor pondera informando que espaços semelhantes, mas com outros nomes como “Institutos de Modelação Física”, “Centros de Fisiculturismo”, “Clubes de Calistenia”, dentre outros, já existiam há mais tempo. Ribeiro (2004) mostra que, em Goiânia, a primeira academia instalada chamava Academia de Halterofilismo Músculo y Poder, inaugurada em 1957.
Em 1930, a ACM, no Rio de Janeiro, oferecia a modalidade de judô “convivendo com outras atividades de ginástica e de práticas esportivas típicas desta entidade filantrópica à época” (CAPINUSSÚ, 2006, p. 61). De acordo com Capinussú (2006), foi a partir de 1940 que o modelo de academias de ginástica existente atualmente, com base na ginástica, lutas e halterofilismo ou culturismo se delineou. Até então, de acordo com o mesmo autor, as academias situavam-se principalmente nas grandes capitais brasileiras próximas ao litoral, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo, embora haja informações a respeito de espaços para para aulas de natação em São Luís, no Maranhão, em 1893, e de lutas em Belém do Pará, em 1914.
Bertevello (2006, p. 63) afirma que a partir de 1950 as academias começam a se expandir para outras capitais e para cidades de médio porte no interior do país: “Os vetores deste crescimento são o halterofilismo e as artes marciais japonesas”. O autor informa ainda que, já em 1971, o primeiro levantamento a respeito das academias existentes no Brasil indica que apenas algumas capitais federais possuíam registros em órgãos da prefeitura.
Em Goiânia, os donos de academias, principalmente nas décadas de 1960 e 1970, de acordo com Ribeiro (2004), eram pessoas ligadas às especificidades das atividades de academia, como halterofilistas e professores de Educação Física. Os instrumentos de produção eram rudimentares. Um dos pioneiros nesse ramo em Goiânia, em entrevista realizada por Ribeiro (2004, p. 16), assegura: “fiz meus pesos, eram fundidos com cimento; eu pegava brita, cascalho, areia e cimento e fazia os pesos. Os canos a gente cortava e servia de barra”. As academias de ginástica não eram vistas como um negócio promissor para conseguir lucros. Um entrevistado de Ribeiro (2004, p. 20) aponta: “naquela época a gente tinha mais era rivalidade dos atletas. A academia não era para ganhar dinheiro”.
Com o processo de concentração de capital e a divulgação do halterofilismo e das academias de ginástica através dos filmes como os de Arnold Schwarzenegger e das competições de fisiculturismo nos âmbitos regionais, nacionais e mundiais, como os prêmios de Mister Universo e Mister Olímpia, as academias foram crescendo aos poucos. O Brasil foi se estabelecendo definitivamente no cenário mundial com a antiga Confederação Brasileira de Culturismo (CBC), reconhecida pelo extinto Conselho Nacional de Desportos (CND) apenas em 1976 e, em 1978, filia-se a International Federation of Body Builders e outras entidades internacionais da modalidade.1
Assim, o público freqüentador de academias foi aumentando, mas ainda era centrado essencialmente no halterofilismo e fisiculturismo e, em alguns casos, apresentando algumas modalidades de ginástica, como a calistênica e a presença de lutas como judô, caratê e boxe em menor proporção, porque em geral as academias de lutas eram especializadas. O predominante nessa época eram as especializações com as academias de halterofilismo, as de ginástica, as de lutas, as de natação, embora a presença de mais de uma modalidade na mesma academia já começasse a aparecer.
Com o aumento do público freqüentador, o desenvolvimento das academias como espaço de negócio lucrativo foi se estabelecendo. Acompanhando esse processo, empresas fornecedoras de aparelhos, máquinas e outros instrumentos também se desenvolveram. Tem-se aí um primeiro movimento de passagem de academias que surgiram, principalmente, a partir do interesse pessoal de seus donos com a área, para academias que começaram a se estabelecer, desde o início, como um negócio visando fundamentalmente ao lucro. Nos anos 80, uma mescla dessas características estava presente. As academias nesse período, em geral, mantinham um vínculo de seus donos com a área e, ao mesmo tempo, já se firmavam mais claramente como um negócio visando ao lucro.
De acordo com Nolasco et al. (2006), é de 1981 a publicação do primeiro livro sobre administração de academias de ginástica no Brasil. Teorias administrativas começaram a adentrar este universo e passam a influenciar a organização interna das academias. A organização do espaço e do trabalho foi se modificando. No mesmo período, há um novo impulso às academias de ginástica oriundo da ginástica aeróbica e sua principal divulgadora, a atriz Jane Fonda. A ginástica aeróbica, com a incorporação do ritmo musical, traz um novo estímulo aos praticantes e passa a ser uma “febre” a partir de meados dos anos 80 até início dos anos 90.
A aeróbica dos anos 80 foi a mola propulsora das academias [...] O boom dos anos 80 teve no fechamento do comércio exterior um grande obstáculo, pois não tínhamos a tecnologia dos materiais esportivos dos grandes centros mundiais, problema que se resolveu apenas com a liberação das importações (NOBRE, 1999, p. 20-21).
A organização da gerência interna, da supervisão e do controle passou a ser incorporada com mais ênfase ao espaço da academia, assim como a divisão dodo trabalho entre professores de musculação e professores de outras modalidades de ginástica.
Nessa época, ainda era comum o aluno optar por uma turma de ginástica, com horários e professor fixos. O aluno pagava pela aula de determinada modalidade. Aos poucos, as antigas salas de halterofilismo foram sendo reorganizadas a partir da fabricação de máquinas e outros instrumentos com tecnologias que facilitavam a utilização por pessoas que não tinham costume de treinar, garantindo maior segurança durante a execução. Foram, portanto, se transformando em salas de musculação.
O termo musculação passou a substituir o halterofilismo, visando abranger um público maior de pessoas que não praticavam a modalidade por competição ou para construir corpos com grande hipertrofia da musculatura. Assim, as academias que surgiram a partir de meados de 1980 já apresentavam mudanças em seus nomes, acompanhando a essa mudança de atendimento de necessidades do público. Ao invés de nomes como “Músculo e Poder”, “Academia do Tarzan”, “Centros de Fisiculturismo” e outros que buscavam demonstrar imponência e faziam referência ao halterofilismo, começam a surgir nomes que evidenciam mais a ginástica e/ou a musculação.
Nessa esteira, em que a musculação assume o lugar do halterofilismo, no final dos anos 80 e início dos anos 90, um outro reforço para um novo aumento quantitativo do público freqüentador surge com o aumento da prática de musculação também pelas mulheres. A cantora e atriz Madonna com musculatura bem definida se torna um emblema e um incentivo através dos meios de comunicação. Acompanhando isso, no cenário macro-econômico, o Brasil nesse mesmo período começa a intensificar as reformas neoliberais que compreendem, dentre outros fatores, uma abertura econômica que favorece o aumento das importações. Tecnologias importadas entram com mais facilidade no mercado nacional, dentre elas, tecnologias dos equipamentos de musculação e de ginástica e tecnologias de organização e gestão do trabalho.
As salas de musculação e de ginástica começam a se mostrar imponentes pela caracterização e quantidade de seu maquinário. Esse desenvolvimento foi possibilitado a partir das transformações da mais valia em capital que proporcionaram a acumulação e concentração de capital nesse ramo. Aliado a isso, o forte crescimento do mercado nessa época atrai investidores com capitais oriundos de outros setores e a expansão geográfica se estabelece com a abertura de mais academias, muitas delas muito bem equipadas.
A competição se acirrou e aquilo que aconteceu no sistema capitalista como um todo atinge também as academias de ginástica: algumas transformações na organização da produção passam a ocorrer. No Brasil, as transformações na organização da produção e a entrada da política econômica neoliberal, que são os principais determinantes da acumulação flexível para Harvey (1996), só acontecem fundamentalmente a partir da década de 1990.
As academias de ginástica, a partir de então, começam a sofrer um novo movimento de transformações. A demanda pelo serviço oferecido pelas academias cresceu. Capitais oriundos de outros ramos migraram e começaram a ser investidos em academias de ginástica. A academia, como negócio, passa a romper com os laços de interesses dos donos pela área e foram transformando-se em empresas geridas a partir de teorias administrativas com o intuito fundamental de acumular capital. Essa é a tendência que já se mostrava presente. Assim, as academias de ginásticas entram no contexto da acumulação flexível:
Tudo isso valorizou o empreendimento inovador e “esperto”, ajudado e estimulado pelos atavios da tomada de decisões rápidas, eficiente e bem-fundamentada [...] Com efeito, na medida em que a informação e a capacidade de tomar decisões rápidas num ambiente deveras incerto, efêmero e competitivo se tornaram cruciais para os lucros, a corporação bem organizada tem evidentes vantagens competitivas sobre os pequenos negócios (HARVEY, 1996, p. 149-150).
Pode-se perceber uma ligação estreita do que Harvey (1996) apresenta a respeito das características da acumulação flexível com a forma como as academias passaram a se organizar nos últimos anos. Alguns autores de livros para administração de academias indicam como essas mudanças ocorrem na academia.
As transformações do mundo contemporâneo estão obrigando as academias a repensar a forma de gerenciar seus colaboradores. Novos concorrentes, novas tecnologias, novos métodos de gerenciamento e uma sociedade voltada para a competição ditam o ritmo das atividades nos negócios (PEREIRA, 2005, p. 22).
No final dos anos 90, a Body Systems chega ao Brasil com suas aulas pré-coreografadas ou aulas prontas, provocando um impacto significativo no mercado. Ocorre uma grande diversificação das modalidades e de outros produtos vendidos pelas academias. Os planos passam a permitir acesso a todas elas, inclusive à musculação, diferenciando-se dos pagamentos por modalidades. A diversificação ocorre seguindo uma tendência das empresas na fase de acumulação flexível.
É importante notar que a velocidade das mudanças que ocorrem na caracterização da organização administrativa das academias impõe atualmente um ritmo muito mais acelerado de transformações nesse ramo. A partir do momento em que as academias de ginástica passam a ser administradas como um negócio que envolve capital elevado e necessita de retorno economicamente viável, o movimento é um só: o de incorporação de técnicas e teorias administrativas que vão configurar a gestão e a organização do trabalho neste espaço de forma racionalizada. Assim, as mudanças ocorridas na característica das academias constituíram três estágios.
Um estágio inicial caracterizado pela afinidade com a área, como principal motivação para a implementação das academias. Por isso, a administração empírica, amadora ou do senso comum preponderava.
Um segundo estágio, caracterizado pela mescla entre a afinidade com a área e a inserção das tecnologias da administração em busca de lucros, surgido, principalmente, a partir dos anos 80.
E um terceiro estágio, onde as mais avançadas tecnologias dos instrumentos de produção e da gestão são encontradas nas academias. Há presença da micro-eletrônica nos instrumentos e das mais diversas teorias administrativas de gestão de recursos humanos, de marketing, financeira e contábil, configurando a racionalização nas academias. As academias caracterizadas neste terceiro estágio, as mais avançadas em seu desenvolvimento, denomino de “academias híbridas”.
O que há de mais avançado no momento traz em si elementos de todo esse desenvolvimento. Embora haja negações, essas negações não deixaram de trazer consigo características do negado. Além disso, esse desenvolvimento deve ser entendido como um desenvolvimento desigual e combinado. A análise do ramo de academias de ginástica deve compreendê-la como um ramo periférico, tanto no âmbito da produção capitalista quanto na posição do Brasil no cenário mundial do mercado.
O que Trotsky (1977) chama de desenvolvimento desigual e combinado explica muito do contexto atual deste mercado, pois, “elaborada no contexto russo, esta análise estava implicitamente carregada de uma significação mais abrangente, aplicável ao conjunto das formações sociais situadas na periferia do sistema capitalista” (LOWY, 2007, p. 76).
Esse ramo pode ser considerado um ramo atrasado na implementação das teorias administrativas. Pinheiro e Pinheiro (2006, p. 19), por exemplo, entendem que os casos da Les Mills e da Body Systems correspondem a um “conjunto de antigos princípios e técnicas que deu origem a uma efetiva inovação no mercado do fitness”. Os autores referem-se à presença de princípios tayloristas na característica do negócio de aulas prontas desenvolvido pela Les Mills.
A incorporação de teorias administrativas em academias de ginástica não acompanha o mesmo processo de sua elaboração. Esse desenvolvimento atinge as academias, especialmente aquelas de lugares periféricos em países periféricos, com “saltos” que explicam as mudanças bem mais constantes em um espaço de tempo muito limitado, ocorridas nas academias brasileiras. Além disso, essas mudanças muitas vezes aproximam-se de um processo conhecido no meio da administração de empresas como reengenharia2. Consultores ou empresas de consultoria são contratados e reformulam completamente a forma de organização da academia. Esse processo permite que ela receba o que há de mais avançado no que diz respeito à administração. Trotsky (1977) explica essa e outras características do desenvolvimento desigual e combinado. Segundo ele, o capitalismo
preparou e, em certo sentido, realizou a universalidade e a permanência do desenvolvimento da humanidade. Fica, assim, excluída a possibilidade de uma repetição das formas de desenvolvimento em diversas nações. Na contingência de ser rebocado pelos países adiantados, um país atrasado não se conforma com a ordem de sucessão: o privilégio de uma situação historicamente atrasada – e este privilégio existe – autoriza um povo ou, mais exatamente, o força a assimilar todo o realizado, antes do prazo previsto, passando por cima de uma série de etapas intermediárias. Renunciam os selvagens ao arco e à flecha e tomam imediatamente o fuzil, sem que necessitem percorrer as distâncias que, no passado, separaram estas diferentes armas [...] Sob o chicote das necessidades externas, a vida retardatária vê-se na contingência de avançar aos saltos. Desta lei universal da desigualdade dos ritmos decorre outra lei mais geral que, por falta de denominação apropriada, chamarei de lei do desenvolvimento combinado, que significa aproximação das diversas etapas, combinação das fases diferenciadas, amálgama das formas arcaicas com as mais modernas (TROTSKY, 1977, p. 24-25).
Essa teoria do desenvolvimento desigual e combinado de Trotsky (1977) explica muito do panorama encontrado em relação à presença de teorias administrativas na organização das academias. Hoje, nesse mercado, há uma mescla entre uma administração que traz elementos das teorias elaboradas ao longo do século passado, com o amadorismo. Nas pequenas academias pesquisadas, por exemplo, percebe-se que o senso comum na administração ainda é o que prevalece. Já nas academias M1 e G2, nota-se um movimento no qual a presença de tecnologias oriundas das teorias administrativas ganha força, com a academia G2 passando, inclusive, por um processo de consultoria externa no momento da pesquisa. Nas academias G1 e M2, observa-se a presença de uma administração muito próxima dos moldes do que há de mais avançado no mercado.
A academia G2 no momento da pesquisa, de acordo com um de seus coordenadores entrevistados, estava
passando por uma transformação, não só administrativa, mas toda uma transformação de uma empresa familiar para uma empresa profissional, com mais profissionalismo, maior empenho e voltada para o resultado [...] Hoje tem critério mais rigoroso, cobra-se produtividade do professor, cobra-se números.
Essas mudanças trazem consigo exigências muito maiores ao professor: exigências de “profissionalismo”. Com a fala de um dos coordenadores da academia G1, por exemplo, que atua na área há muito tempo, pode ser percebido como essas transformações sofridas pelas academias de ginástica atingem o professor.
Tem dezoito anos que estou no fitness, desde os dezesseis anos que dou aula de ginástica, não havia tanta exigência em relação à documentação. O professor de musculação era técnico. O professor de ginástica era quem sabia dançar, "ah então sabe dar aula de ginástica". Hoje em dia não é assim. Então para entrar numa empresa, o processo de seleção ficou mais seletivo, subiu o padrão profissional. Hoje em dia o professor de ginástica não tem que ser um dançarino, tem de ser um cara que estuda, que pensa, tem de ser um cara que sabe conversar, tem de ser uma pessoa que sabe vender [...] No meu ponto de vista, o que melhorou de uns anos para cá no fitness é a qualificação profissional, é o lado administrativo, é a exigência de documentação
Na fala da coordenação da academia G2, também pode ser observada como essas transformações atingem o professor:
O professor tem que se adequar a esta parte administrativa. Ele teve que dar uma rebolada e deixar de ser só professor de sala, aquele que vai lá e trabalha com a musculação, que vai lá e monta a ficha do aluno achando que cumpriu a missão dele. Esse professor morreu, aqui para nós, não existe.
O processo de incorporação das teorias administrativas pelas academias de ginástica ou o desenvolvimento da racionalização nesse espaço trouxe consigo um novo vocabulário, novas tecnologias, uma nova arquitetura, novas organizações do trabalho, novas práticas pedagógicas, novas modalidades e, como não poderia ser diferente, um novo perfil dos professores. Como esse processo está presente mais em algumas academias do que em outras, essas mudanças podem ser mais bem percebidas nas academias mais desenvolvidas ou avançadas do que nas menos desenvolvidas. E isso permite apontar como tendência para as demais academias aquilo que se encontra nas mais avançadas e que se relaciona com as características gerais da fase de acumulação flexível do sistema capitalista.
DO FITNESS AO WELLNESS
Uma tendência fundamental nesse processo é a mudança na visão adotada pelas academias ao deixar de enfocar o conceito de fitness e passar a enfocar o conceito de wellness. De acordo com Saba (2006), o fitness enfatiza a dimensão biológica. Originado da junção de duas palavras, “fit que significa apto, e ness, que quer dizer aptidão. Na verdade a expressão correta é physical fitness, ou aptidão física” (SABA, 2006, p. 38). Saba apresenta a seguinte síntese a respeito do paradigma do fitness adotado pelas academias de ginástica:
É micro. Está ligado aos desempenhos físico e ao atlético. Tem como objetivo principal fortalecer a melhora estética do aluno. A maioria das ações dos profissionais está direcionada para benefícios estéticos. No dia-a-dia do atendimento, os ganhos estéticos (emagrecimento, aumento de massa muscular, etc.) são valorizados em vários momentos (SABA, 2006, p. 143).
O fitness caracteriza-se pela ênfase no condicionamento físico do indivíduo. As academias de ginástica surgiram tendo essa finalidade, tanto é que os donos das primeiras academias muitos deles eram halterofilistas, atletas, ou pessoas que, em geral, estavam envolvidas em práticas corporais. Com o desenvolvimento do ramo das academias de ginástica como negócio, ou seja, com a boa capacidade de acumulação de capital apresentada pelas academias de ginástica, a visão antes restrita ao fitness foi se ampliando e aos poucos foram sendo aglutinados outros enfoques para a academia de ginástica atingir seu mercado de forma mais eficaz e também ampliar seu público alvo. Saba (2006, p. 143) explica que o wellness “fortalece-se, aumentando cada vez mais a participação e a manutenção saudável de pessoas em programas de exercícios físicos”. Enquanto isso, o fitness com sua ênfase nos “aspectos puramente estéticos, representados pelo modelo da aptidão física, continua aumentando a desistência e promovendo a rotatividade nas academias” (SABA, 2006, p. 143).
Essa mudança do fitness para o wellness acompanha, portanto, a consolidação e o desenvolvimento dos já explicados estágios das academias como um negócio. O primeiro estágio caracteriza-se pelo surgimento do fitness, o segundo pelo desenvolvimento e consolidação do fitness e início de abordagens do wellness e o terceiro estágio, de academias híbridas, com o wellness tornando-se o conceito norteador na determinação das características da academia.
De acordo com Saba (2006), o responsável pela denominação wellness foi o americano Charles Corbin no início dos anos 70. Corbin (apud SABA, 2006, p. 39) define wellness como sendo “a integração de todos os aspectos da saúde e aptidão (mental, social, emocional, espiritual e física), que expande um potencial para viver e trabalhar efetivamente, dando uma significativa contribuição para a sociedade”.
O wellness engloba o fitness. O conceito de wellness embora negue o conceito de fitness, também é composto por ele. O condicionamento físico não deixa de ser enfatizado, porém, é trabalhado em perspectivas mais amplas visando à qualidade de vida e bem-estar. A estética não deixa de ser enfatizada, porém, é levada em consideração a saúde nessa busca pela estética. Assim, nas academias que seguem o wellness como paradigma, os professores se preocupam em transmitir conhecimentos, explicando para os alunos, por exemplo, prejuízos que podem causar a prática em excesso, os problemas do uso de anabolizantes, a importância da alimentação adequada, entre outras práticas. Dessa forma, o fitness não deixa de ser trabalhado, mas fica subsumido ao wellness.
Saba apresenta a seguinte síntese a respeito do wellness como paradigma nas academias:
É macro. Olha o ser humano como um todo. Os compromissos que cada indivíduo deve assumir consigo mesmo, a fim de respeitar-se e preservar-se. É um código de atitudes saudáveis que promove altos índices de saúde e prevenção de doenças; refletindo cuidado nas relações interpessoais, de modo a manter elevado o estado de espírito; o que nos leva a ponderar diante de tentações e a recusar envolver-se em ações que poderiam ser prejudiciais. Atitude em prol do bem-estar é conhecer e respeitar seus limites, evitando pensamentos e ações autodestrutivos. O nível de wellness de uma pessoa depende muito de suas escolhas. A prática do exercício físico é parte desse processo. O conceito de fitness está dentro do modelo wellness. Esse é o modelo que fortalece a permanência dos clientes nas academias e cria inúmeros vínculos além do estético. Estes exemplos revelam que o mercado já não se contenta mais com ações focadas exclusivamente no fitness. Busca-se uma visão mais ampla de atuação apoiada no wellness (bem-estar). Os gestores precisam reformular seus negócios para atender a esta demanda (SABA, 2006, p. 144-145).
Esse movimento, de mudança nas academias do paradigma do fitness para o wellness, por tratar-se de uma mudança determinada pela necessidade de melhoria de desempenho do negócio na acumulação de capital, apresenta alguns outros aspectos que são fundamentais para sua compreensão, todos eles relacionados com a necessidade de vender a mercadoria produzida, como ampliar o público alvo para a venda da mercadoria e aumentar a retenção ou aderência do cliente, concretizando uma segunda venda.
Há, por exemplo, uma necessidade de ampliar seu público alvo, com as academias deixando de focalizar apenas a busca pela estética que estaria muito mais ligada às pessoas jovens e passando a enfocar homens e mulheres com idades mais elevadas e que buscam outros fatores além da estética. Percebe-se esse processo no posicionamento a seguir:
O apelo para o corpo sarado já teve seu tempo na década de 1990. As pessoas hoje buscam, também, qualidade de vida, paz de espírito. Imaginem a foto de uma senhora no outdoor, fazendo ginástica e dizendo: “Osteoporose não tem vez na minha vida... exercício sim!” (PEREIRA, 2005, p. 93).
O fim do chamado Estado do bem-estar social, ou Welfare State, exerce uma influência importante nesse processo. Com o início do neoliberalismo e o fim do Welfare State, o bem-estar da população deixa de ser uma responsabilidade no âmbito do Estado e transfere-se para o âmbito individual. Não mais Welfare State e sim Welness. Nesse contexto, o indivíduo deve ir em busca de seu bem-estar, comprando-o como uma mercadoria. A academia de ginástica surge como uma empresa que vende mercadorias para a satisfação dessa necessidade. As empresas, nesse contexto, atuam com responsabilidade social. A responsabilidade social da empresa é uma das ideologias que ganha força com o neoliberalismo, acompanhando a desresponsabilização do Estado pelo bem-estar social e a transferência dessa responsabilidade para a esfera privada. Paralelamente ao grande incentivo ao corpo com estética dentro dos padrões considerados belos, surgem extremos como, por exemplo, casos de mortes ou problemas de saúde por consumo de anabolizantes e por anorexia. Também surgem críticas a esse fenômeno que questionam o excesso de práticas corporais e outros excessos em busca do corpo com estética perfeita. Assim, uma empresa com responsabilidade social deve submeter a estética ao crivo do bem-estar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As academias de ginástica, na particularidade como se apresentam atualmente, possuem uma história recente, de pouco mais de um século. Durante sua trajetória sofreram uma série de transformações até chegar à fase atual. Essas transformações se intensificaram principalmente nas últimas três décadas, quando as academias passaram a ser mais exploradas como um negócio favorável para a acumulação de capital. Na sua especificidade, passou por inovações tecnológicas em seus instrumentos de produção e nas suas formas de organização do trabalho para a produção. Isso gerou movimentos no ramo de alternância entre momentos de prosperidade e de queda nas taxas de lucro.
Mas o próprio contexto da economia capitalista nas mesmas últimas três décadas foi de transformações no mundo do trabalho, visando superar uma crise estrutural do capital ocorrida na década de 1970. Esse contexto também influenciou em grande medida as transformações ocorridas nas academias de ginástica, onde o aluno não é simplesmente um aluno, é um cliente. A mercadoria não é produzida tendo como principal finalidade ser consumida, mas ser vendida. O professor não é simplesmente um professor, é um vendedor. Professor-vendedor e aluno-cliente em um ambiente onde a mercadoria exerce a função sedutora de atração e conquista.
NOTAS
* Mestre em Educação pela UFG e professor da Universidade Estadual de Goiás.
1 Veja mais informações a respeito em CBCM (2007).
2 Reengenharia “trata-se de da redefinição radical dos processos de trabalho, de ponta a ponta, para obter resultados para o cliente [...] indica repensar os fundamentos do negócio, redesenhando seus processos, para obter sensíveis melhorias no desempenho empresarial...” (HELOANI, 2003, p. 219).
FROM FITNESS TO WELLNESS: THE THREE DEVELOPMENTAL STAGES OF FITNESS CENTERS
ABSTRACT
This article approaches the changes occurred in fitness centers throughout their history. The developments presented here are the result of a research work conducted in the city of Goiania by means of interviews with fitness center instructors and coordinators, participant observation and document analysis. Results show that fitness centers have gone through three stages in their historic development and these stages are determined by the intensity with which production rationalization processes were inserted. All three stages can currently be found in fitness centers, as they develop unevenly. The change in the terminology used by the centers, from fitness to wellness, is a fine example of this transformation process.
KEYWORDS: Fitness centers – History – Fitness – Wellness
DEL FITNESS PARA LO WELLNESS: LAS TRES ETAPAS DEL DESARROLLO DE LOS CENTROS DE GIMNASIA
RESUMEN
El articulo se refiere a las transformaciones ocurridas en centros de gimnasia a lo largo de su historia. La elaboración aquí presentada es resultado de una investigación desarrollada en la ciudad de Goiania, a través de entrevistas con profesores y coordinadores de centros de gimnasia, así como la observación participante y análisis de documentos. Se percibió que los centros de gimnasia pasaron por tres etapas en su desarrollo histórico. Esas etapas son determinados por la intensidad de inserción de la racionalización de producción. Hoy pueden ser encontrados centros de gimnasia que se aproximan de las tres etapas, pues el desarrollo referido pasa de forma desigual. El cambio de la terminología utilizada por el centro de gimnasia, del fitness al wellness, expresa de forma emblemática las transformaciones en cuestión.
PALABRAS-CLAVE: Centros de Gimnasia – Historia – Fitness – Wellness
REFERÊNCIAS
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CAPINUSSÚ, José Maurício. Academias de ginástica e condicionamento físico: origens. In: DA COSTA, Lamartine (Org.). Atlas do esporte no Brasil. Rio de Janeiro: CONFEF, 2006.
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HELOANI, Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado: história da manipulação psicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Atlas, 2003.
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