RESUMO
O artigo refere-se às transformações ocorridas em academias de
ginástica ao longo de sua história. A elaboração aqui apresentada é resultado
de uma pesquisa desenvolvida na cidade de Goiânia, por meio de entrevistas com
professores e coordenadores de academias, bem como observação participante e
análises de documentos. Nota-se que as academias passaram por três estágios em
seu desenvolvimento histórico e esses estágios são determinados pela
intensidade de inserção da racionalização da produção. Atualmente podem ser
encontradas academias que se aproximam de todos os três estágios, pois o
desenvolvimento referido acontece de forma desigual. A mudança da terminologia
utilizada pela academia, do fitness ao wellness, expressa de forma emblemática
as transformações em questão.
PALAVRAS-CHAVE: Academias de Ginástica – História – Fitness –
Wellness
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
É notório o movimento realizado
pelas academias de ginástica em relação às mudanças nas características de sua
organização. Visando compreender esse movimento, este artigo sintetiza parte de
uma pesquisa elaborada durante os anos 2006 e 2007 em academias de ginástica da
cidade de Goiânia. Foi realizado um estudo etnográfico, com observação
participante, análise de documentos e entrevistas a coordenadores e professores
de seis academias goianienses, bem como observação em academias de outras
cidades.
As seis academias foram selecionadas
com o intuito de perceber as transformações ocorridas em academias de ginástica
ao longo de sua história, portanto, duas academias pequenas e pouco desenvolvidas
foram selecionadas, duas de porte médio, sendo uma recém inaugurada e uma com
mais de dez anos e outras duas grandes academias, também com mais de dez anos
de existência. Essas academias mais antigas permitem perceber o movimento
dessas mudanças dentro de seu próprio contexto histórico. Como academias
pequenas foram consideradas aquelas com menos de 400 alunos e menos de 500m² de
área construída, como academias médias foram consideradas aquelas entre 400 e
1000 alunos e entre 500m² e 2000m² de área construída, academias grandes
aquelas entre 1000 e 2500 alunos e 2000m² e 5000m². Acima desses números seriam
mega-academias. Ao todo foram entrevistados quatorze professores e sete
coordenadores. Visando preservar a identidade dos sujeitos entrevistados, os professores
e coordenadores serão denominados de acordo com a academia a qual pertencem e
modalidade que trabalham, sendo que as academias pequenas serão chamadas de P1
e P2, academias médias de M1 e M2 e academias grandes de G1 e G2. Além disso,
os professores de musculação serão chamados de M, os professores de ginástica
de G e os coordenadores de C.
OS TRÊS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO
DAS ACADEMIAS DE GINÁSTICA
A academia de ginástica como um
espaço para a realização de práticas corporais é algo novo. De acordo com Nobre
(1999), o termo “academia” apenas foi se estabelecer definitivamente, no
Brasil, no início da década de 1980. Porém, o mesmo autor pondera informando
que espaços semelhantes, mas com outros nomes como “Institutos de Modelação
Física”, “Centros de Fisiculturismo”, “Clubes de Calistenia”, dentre outros, já
existiam há mais tempo. Ribeiro (2004) mostra que, em Goiânia, a primeira
academia instalada chamava Academia de Halterofilismo Músculo y Poder,
inaugurada em 1957.
Em 1930, a ACM, no Rio de
Janeiro, oferecia a modalidade de judô “convivendo com outras atividades de
ginástica e de práticas esportivas típicas desta entidade filantrópica à época”
(CAPINUSSÚ, 2006, p. 61). De acordo com Capinussú (2006), foi a partir de 1940
que o modelo de academias de ginástica existente atualmente, com base na
ginástica, lutas e halterofilismo ou culturismo se delineou. Até então, de
acordo com o mesmo autor, as academias situavam-se principalmente nas grandes
capitais brasileiras próximas ao litoral, principalmente no Rio de Janeiro e
São Paulo, embora haja informações a respeito de espaços para para aulas de
natação em São Luís, no Maranhão, em 1893, e de lutas em Belém do Pará, em
1914.
Bertevello (2006, p. 63) afirma que
a partir de 1950 as academias começam a se expandir para outras capitais e para
cidades de médio porte no interior do país: “Os vetores deste crescimento são o
halterofilismo e as artes marciais japonesas”. O autor informa ainda que, já em
1971, o primeiro levantamento a respeito das academias existentes no Brasil
indica que apenas algumas capitais federais possuíam registros em órgãos da
prefeitura.
Em Goiânia, os donos de academias,
principalmente nas décadas de 1960 e 1970, de acordo com Ribeiro (2004), eram
pessoas ligadas às especificidades das atividades de academia, como
halterofilistas e professores de Educação Física. Os instrumentos de produção
eram rudimentares. Um dos pioneiros nesse ramo em Goiânia, em entrevista
realizada por Ribeiro (2004, p. 16), assegura: “fiz meus pesos, eram fundidos
com cimento; eu pegava brita, cascalho, areia e cimento e fazia os pesos. Os
canos a gente cortava e servia de barra”. As academias de ginástica não eram
vistas como um negócio promissor para conseguir lucros. Um entrevistado de
Ribeiro (2004, p. 20) aponta: “naquela época a gente tinha mais era rivalidade
dos atletas. A academia não era para ganhar dinheiro”.
Com o processo de concentração de
capital e a divulgação do halterofilismo e das academias de ginástica através
dos filmes como os de Arnold Schwarzenegger e das competições de fisiculturismo
nos âmbitos regionais, nacionais e mundiais, como os prêmios de Mister Universo
e Mister Olímpia, as academias foram crescendo aos poucos. O Brasil foi se
estabelecendo definitivamente no cenário mundial com a antiga Confederação
Brasileira de Culturismo (CBC), reconhecida pelo extinto Conselho Nacional de
Desportos (CND) apenas em 1976 e, em 1978, filia-se a International Federation
of Body Builders e outras entidades internacionais da modalidade.1
Assim, o público freqüentador de
academias foi aumentando, mas ainda era centrado essencialmente no
halterofilismo e fisiculturismo e, em alguns casos, apresentando algumas
modalidades de ginástica, como a calistênica e a presença de lutas como judô,
caratê e boxe em menor proporção, porque em geral as academias de lutas eram
especializadas. O predominante nessa época eram as especializações com as
academias de halterofilismo, as de ginástica, as de lutas, as de natação,
embora a presença de mais de uma modalidade na mesma academia já começasse a
aparecer.
Com o aumento do público
freqüentador, o desenvolvimento das academias como espaço de negócio lucrativo
foi se estabelecendo. Acompanhando esse processo, empresas fornecedoras de
aparelhos, máquinas e outros instrumentos também se desenvolveram. Tem-se aí um
primeiro movimento de passagem de academias que surgiram, principalmente, a
partir do interesse pessoal de seus donos com a área, para academias que
começaram a se estabelecer, desde o início, como um negócio visando
fundamentalmente ao lucro. Nos anos 80, uma mescla dessas características
estava presente. As academias nesse período, em geral, mantinham um vínculo de
seus donos com a área e, ao mesmo tempo, já se firmavam mais claramente como um
negócio visando ao lucro.
De acordo com Nolasco et al. (2006),
é de 1981 a
publicação do primeiro livro sobre administração de academias de ginástica no
Brasil. Teorias administrativas começaram a adentrar este universo e passam a
influenciar a organização interna das academias. A organização do espaço e do
trabalho foi se modificando. No mesmo período, há um novo impulso às academias
de ginástica oriundo da ginástica aeróbica e sua principal divulgadora, a atriz
Jane Fonda. A ginástica aeróbica, com a incorporação do ritmo musical, traz um
novo estímulo aos praticantes e passa a ser uma “febre” a partir de meados dos
anos 80 até início dos anos 90.
A aeróbica dos anos 80 foi a mola
propulsora das academias [...] O boom dos anos 80 teve no fechamento do
comércio exterior um grande obstáculo, pois não tínhamos a tecnologia dos
materiais esportivos dos grandes centros mundiais, problema que se resolveu
apenas com a liberação das importações (NOBRE, 1999, p. 20-21).
A organização da gerência interna,
da supervisão e do controle passou a ser incorporada com mais ênfase ao espaço
da academia, assim como a divisão dodo trabalho entre professores de musculação
e professores de outras modalidades de ginástica.
Nessa época, ainda era comum o aluno
optar por uma turma de ginástica, com horários e professor fixos. O aluno
pagava pela aula de determinada modalidade. Aos poucos, as antigas salas de
halterofilismo foram sendo reorganizadas a partir da fabricação de máquinas e
outros instrumentos com tecnologias que facilitavam a utilização por pessoas
que não tinham costume de treinar, garantindo maior segurança durante a
execução. Foram, portanto, se transformando em salas de musculação.
O termo musculação passou a
substituir o halterofilismo, visando abranger um público maior de pessoas que
não praticavam a modalidade por competição ou para construir corpos com grande
hipertrofia da musculatura. Assim, as academias que surgiram a partir de meados
de 1980 já apresentavam mudanças em seus nomes, acompanhando a essa mudança de
atendimento de necessidades do público. Ao invés de nomes como “Músculo e
Poder”, “Academia do Tarzan”, “Centros de Fisiculturismo” e outros que buscavam
demonstrar imponência e faziam referência ao halterofilismo, começam a surgir
nomes que evidenciam mais a ginástica e/ou a musculação.
Nessa esteira, em que a musculação
assume o lugar do halterofilismo, no final dos anos 80 e início dos anos 90, um
outro reforço para um novo aumento quantitativo do público freqüentador surge
com o aumento da prática de musculação também pelas mulheres. A cantora e atriz
Madonna com musculatura bem definida se torna um emblema e um incentivo através
dos meios de comunicação. Acompanhando isso, no cenário macro-econômico, o
Brasil nesse mesmo período começa a intensificar as reformas neoliberais que
compreendem, dentre outros fatores, uma abertura econômica que favorece o
aumento das importações. Tecnologias importadas entram com mais facilidade no
mercado nacional, dentre elas, tecnologias dos equipamentos de musculação e de
ginástica e tecnologias de organização e gestão do trabalho.
As salas de musculação e de
ginástica começam a se mostrar imponentes pela caracterização e quantidade de
seu maquinário. Esse desenvolvimento foi possibilitado a partir das
transformações da mais valia em capital que proporcionaram a acumulação e
concentração de capital nesse ramo. Aliado a isso, o forte crescimento do
mercado nessa época atrai investidores com capitais oriundos de outros setores
e a expansão geográfica se estabelece com a abertura de mais academias, muitas
delas muito bem equipadas.
A competição se acirrou e aquilo que
aconteceu no sistema capitalista como um todo atinge também as academias de ginástica:
algumas transformações na organização da produção passam a ocorrer. No Brasil,
as transformações na organização da produção e a entrada da política econômica
neoliberal, que são os principais determinantes da acumulação flexível para
Harvey (1996), só acontecem fundamentalmente a partir da década de 1990.
As academias de ginástica, a partir
de então, começam a sofrer um novo movimento de transformações. A demanda pelo
serviço oferecido pelas academias cresceu. Capitais oriundos de outros ramos
migraram e começaram a ser investidos em academias de ginástica. A academia,
como negócio, passa a romper com os laços de interesses dos donos pela área e
foram transformando-se em empresas geridas a partir de teorias administrativas
com o intuito fundamental de acumular capital. Essa é a tendência que já se
mostrava presente. Assim, as academias de ginásticas entram no contexto da
acumulação flexível:
Tudo isso valorizou o empreendimento
inovador e “esperto”, ajudado e estimulado pelos atavios da tomada de decisões
rápidas, eficiente e bem-fundamentada [...] Com efeito, na medida em que a
informação e a capacidade de tomar decisões rápidas num ambiente deveras
incerto, efêmero e competitivo se tornaram cruciais para os lucros, a
corporação bem organizada tem evidentes vantagens competitivas sobre os
pequenos negócios (HARVEY, 1996, p. 149-150).
Pode-se perceber uma ligação
estreita do que Harvey (1996) apresenta a respeito das características da
acumulação flexível com a forma como as academias passaram a se organizar nos
últimos anos. Alguns autores de livros para administração de academias indicam
como essas mudanças ocorrem na academia.
As transformações do mundo
contemporâneo estão obrigando as academias a repensar a forma de gerenciar seus
colaboradores. Novos concorrentes, novas tecnologias, novos métodos de
gerenciamento e uma sociedade voltada para a competição ditam o ritmo das
atividades nos negócios (PEREIRA, 2005, p. 22).
No final dos anos 90, a Body Systems chega ao
Brasil com suas aulas pré-coreografadas ou aulas prontas, provocando um impacto
significativo no mercado. Ocorre uma grande diversificação das modalidades e de
outros produtos vendidos pelas academias. Os planos passam a permitir acesso a
todas elas, inclusive à musculação, diferenciando-se dos pagamentos por
modalidades. A diversificação ocorre seguindo uma tendência das empresas na
fase de acumulação flexível.
É importante notar que a velocidade
das mudanças que ocorrem na caracterização da organização administrativa das
academias impõe atualmente um ritmo muito mais acelerado de transformações
nesse ramo. A partir do momento em que as academias de ginástica passam a ser
administradas como um negócio que envolve capital elevado e necessita de
retorno economicamente viável, o movimento é um só: o de incorporação de
técnicas e teorias administrativas que vão configurar a gestão e a organização
do trabalho neste espaço de forma racionalizada. Assim, as mudanças ocorridas
na característica das academias constituíram três estágios.
Um estágio inicial caracterizado
pela afinidade com a área, como principal motivação para a implementação das
academias. Por isso, a administração empírica, amadora ou do senso comum
preponderava.
Um segundo estágio, caracterizado
pela mescla entre a afinidade com a área e a inserção das tecnologias da
administração em busca de lucros, surgido, principalmente, a partir dos anos
80.
E um terceiro estágio, onde as mais
avançadas tecnologias dos instrumentos de produção e da gestão são encontradas
nas academias. Há presença da micro-eletrônica nos instrumentos e das mais
diversas teorias administrativas de gestão de recursos humanos, de marketing,
financeira e contábil, configurando a racionalização nas academias. As
academias caracterizadas neste terceiro estágio, as mais avançadas em seu
desenvolvimento, denomino de “academias híbridas”.
O que há de mais avançado no momento
traz em si elementos de todo esse desenvolvimento. Embora haja negações, essas
negações não deixaram de trazer consigo características do negado. Além disso,
esse desenvolvimento deve ser entendido como um desenvolvimento desigual e
combinado. A análise do ramo de academias de ginástica deve compreendê-la como
um ramo periférico, tanto no âmbito da produção capitalista quanto na posição
do Brasil no cenário mundial do mercado.
O que Trotsky (1977) chama de
desenvolvimento desigual e combinado explica muito do contexto atual deste
mercado, pois, “elaborada no contexto russo, esta análise estava implicitamente
carregada de uma significação mais abrangente, aplicável ao conjunto das
formações sociais situadas na periferia do sistema capitalista” (LOWY, 2007, p.
76).
Esse ramo pode ser considerado um
ramo atrasado na implementação das teorias administrativas. Pinheiro e Pinheiro
(2006, p. 19), por exemplo, entendem que os casos da Les Mills e da Body
Systems correspondem a um “conjunto de antigos princípios e técnicas que deu
origem a uma efetiva inovação no mercado do fitness”. Os autores referem-se à
presença de princípios tayloristas na característica do negócio de aulas
prontas desenvolvido pela Les Mills.
A incorporação de teorias
administrativas em academias de ginástica não acompanha o mesmo processo de sua
elaboração. Esse desenvolvimento atinge as academias, especialmente aquelas de
lugares periféricos em países periféricos, com “saltos” que explicam as
mudanças bem mais constantes em um espaço de tempo muito limitado, ocorridas
nas academias brasileiras. Além disso, essas mudanças muitas vezes aproximam-se
de um processo conhecido no meio da administração de empresas como reengenharia2. Consultores
ou empresas de consultoria são contratados e reformulam completamente a forma
de organização da academia. Esse processo permite que ela receba o que há de
mais avançado no que diz respeito à administração. Trotsky (1977) explica essa
e outras características do desenvolvimento desigual e combinado. Segundo ele,
o capitalismo
preparou e, em certo sentido,
realizou a universalidade e a permanência do desenvolvimento da humanidade.
Fica, assim, excluída a possibilidade de uma repetição das formas de
desenvolvimento em diversas nações. Na contingência de ser rebocado pelos
países adiantados, um país atrasado não se conforma com a ordem de sucessão: o
privilégio de uma situação historicamente atrasada – e este privilégio existe –
autoriza um povo ou, mais exatamente, o força a assimilar todo o realizado,
antes do prazo previsto, passando por cima de uma série de etapas intermediárias.
Renunciam os selvagens ao arco e à flecha e tomam imediatamente o fuzil, sem
que necessitem percorrer as distâncias que, no passado, separaram estas
diferentes armas [...] Sob o chicote das necessidades externas, a vida
retardatária vê-se na contingência de avançar aos saltos. Desta lei universal
da desigualdade dos ritmos decorre outra lei mais geral que, por falta de
denominação apropriada, chamarei de lei do desenvolvimento combinado, que
significa aproximação das diversas etapas, combinação das fases diferenciadas,
amálgama das formas arcaicas com as mais modernas (TROTSKY, 1977, p. 24-25).
Essa teoria do desenvolvimento
desigual e combinado de Trotsky (1977) explica muito do panorama encontrado em
relação à presença de teorias administrativas na organização das academias.
Hoje, nesse mercado, há uma mescla entre uma administração que traz elementos
das teorias elaboradas ao longo do século passado, com o amadorismo. Nas
pequenas academias pesquisadas, por exemplo, percebe-se que o senso comum na
administração ainda é o que prevalece. Já nas academias M1 e G2, nota-se um
movimento no qual a presença de tecnologias oriundas das teorias
administrativas ganha força, com a academia G2 passando, inclusive, por um
processo de consultoria externa no momento da pesquisa. Nas academias G1 e M2,
observa-se a presença de uma administração muito próxima dos moldes do que há
de mais avançado no mercado.
A academia G2 no momento da
pesquisa, de acordo com um de seus coordenadores entrevistados, estava
passando por uma transformação, não
só administrativa, mas toda uma transformação de uma empresa familiar para uma
empresa profissional, com mais profissionalismo, maior empenho e voltada para o
resultado [...] Hoje tem critério mais rigoroso, cobra-se produtividade do
professor, cobra-se números.
Essas mudanças trazem consigo
exigências muito maiores ao professor: exigências de “profissionalismo”. Com a
fala de um dos coordenadores da academia G1, por exemplo, que atua na área há
muito tempo, pode ser percebido como essas transformações sofridas pelas
academias de ginástica atingem o professor.
Tem dezoito anos que estou no
fitness, desde os dezesseis anos que dou aula de ginástica, não havia tanta
exigência em relação à documentação. O professor de musculação era técnico. O
professor de ginástica era quem sabia dançar, "ah então sabe dar aula de
ginástica". Hoje em dia não é assim. Então para entrar numa empresa, o
processo de seleção ficou mais seletivo, subiu o padrão profissional. Hoje em
dia o professor de ginástica não tem que ser um dançarino, tem de ser um cara
que estuda, que pensa, tem de ser um cara que sabe conversar, tem de ser uma
pessoa que sabe vender [...] No meu ponto de vista, o que melhorou de uns anos
para cá no fitness é a qualificação profissional, é o lado administrativo, é a
exigência de documentação
Na fala da coordenação da academia
G2, também pode ser observada como essas transformações atingem o professor:
O professor tem que se adequar a
esta parte administrativa. Ele teve que dar uma rebolada e deixar de ser só
professor de sala, aquele que vai lá e trabalha com a musculação, que vai lá e
monta a ficha do aluno achando que cumpriu a missão dele. Esse professor
morreu, aqui para nós, não existe.
O processo de incorporação das
teorias administrativas pelas academias de ginástica ou o desenvolvimento da
racionalização nesse espaço trouxe consigo um novo vocabulário, novas
tecnologias, uma nova arquitetura, novas organizações do trabalho, novas
práticas pedagógicas, novas modalidades e, como não poderia ser diferente, um
novo perfil dos professores. Como esse processo está presente mais em algumas
academias do que em outras, essas mudanças podem ser mais bem percebidas nas
academias mais desenvolvidas ou avançadas do que nas menos desenvolvidas. E
isso permite apontar como tendência para as demais academias aquilo que se
encontra nas mais avançadas e que se relaciona com as características gerais da
fase de acumulação flexível do sistema capitalista.
DO FITNESS AO WELLNESS
Uma tendência fundamental nesse
processo é a mudança na visão adotada pelas academias ao deixar de enfocar o
conceito de fitness e passar a enfocar o conceito de wellness. De acordo com
Saba (2006), o fitness enfatiza a dimensão biológica. Originado da junção de
duas palavras, “fit que significa apto, e ness, que quer dizer aptidão. Na
verdade a expressão correta é physical fitness, ou aptidão física” (SABA, 2006,
p. 38). Saba apresenta a seguinte síntese a respeito do paradigma do fitness
adotado pelas academias de ginástica:
É micro. Está ligado aos desempenhos
físico e ao atlético. Tem como objetivo principal fortalecer a melhora estética
do aluno. A maioria das ações dos profissionais está direcionada para
benefícios estéticos. No dia-a-dia do atendimento, os ganhos estéticos
(emagrecimento, aumento de massa muscular, etc.) são valorizados em vários
momentos (SABA, 2006, p. 143).
O fitness caracteriza-se pela ênfase
no condicionamento físico do indivíduo. As academias de ginástica surgiram
tendo essa finalidade, tanto é que os donos das primeiras academias muitos
deles eram halterofilistas, atletas, ou pessoas que, em geral, estavam
envolvidas em práticas corporais. Com o desenvolvimento do ramo das academias
de ginástica como negócio, ou seja, com a boa capacidade de acumulação de
capital apresentada pelas academias de ginástica, a visão antes restrita ao
fitness foi se ampliando e aos poucos foram sendo aglutinados outros enfoques
para a academia de ginástica atingir seu mercado de forma mais eficaz e também
ampliar seu público alvo. Saba (2006, p. 143) explica que o wellness
“fortalece-se, aumentando cada vez mais a participação e a manutenção saudável
de pessoas em programas de exercícios físicos”. Enquanto isso, o fitness com
sua ênfase nos “aspectos puramente estéticos, representados pelo modelo da
aptidão física, continua aumentando a desistência e promovendo a rotatividade
nas academias” (SABA, 2006, p. 143).
Essa mudança do fitness para o
wellness acompanha, portanto, a consolidação e o desenvolvimento dos já
explicados estágios das academias como um negócio. O primeiro estágio
caracteriza-se pelo surgimento do fitness, o segundo pelo desenvolvimento e
consolidação do fitness e início de abordagens do wellness e o terceiro
estágio, de academias híbridas, com o wellness tornando-se o conceito norteador
na determinação das características da academia.
De acordo com Saba (2006), o
responsável pela denominação wellness foi o americano Charles Corbin no início
dos anos 70. Corbin (apud SABA, 2006, p. 39) define wellness como sendo “a
integração de todos os aspectos da saúde e aptidão (mental, social, emocional,
espiritual e física), que expande um potencial para viver e trabalhar
efetivamente, dando uma significativa contribuição para a sociedade”.
O wellness engloba o fitness. O
conceito de wellness embora negue o conceito de fitness, também é composto por
ele. O condicionamento físico não deixa de ser enfatizado, porém, é trabalhado
em perspectivas mais amplas visando à qualidade de vida e bem-estar. A estética
não deixa de ser enfatizada, porém, é levada em consideração a saúde nessa
busca pela estética. Assim, nas academias que seguem o wellness como paradigma,
os professores se preocupam em transmitir conhecimentos, explicando para os
alunos, por exemplo, prejuízos que podem causar a prática em excesso, os
problemas do uso de anabolizantes, a importância da alimentação adequada, entre
outras práticas. Dessa forma, o fitness não deixa de ser trabalhado, mas fica
subsumido ao wellness.
Saba apresenta a seguinte síntese a
respeito do wellness como paradigma nas academias:
É macro. Olha o ser humano como um
todo. Os compromissos que cada indivíduo deve assumir consigo mesmo, a fim de
respeitar-se e preservar-se. É um código de atitudes saudáveis que promove
altos índices de saúde e prevenção de doenças; refletindo cuidado nas relações
interpessoais, de modo a manter elevado o estado de espírito; o que nos leva a
ponderar diante de tentações e a recusar envolver-se em ações que poderiam ser
prejudiciais. Atitude em prol do bem-estar é conhecer e respeitar seus limites,
evitando pensamentos e ações autodestrutivos. O nível de wellness de uma pessoa
depende muito de suas escolhas. A prática do exercício físico é parte desse
processo. O conceito de fitness está dentro do modelo wellness. Esse é o modelo
que fortalece a permanência dos clientes nas academias e cria inúmeros vínculos
além do estético. Estes exemplos revelam que o mercado já não se contenta mais
com ações focadas exclusivamente no fitness. Busca-se uma visão mais ampla de atuação
apoiada no wellness (bem-estar). Os gestores precisam reformular seus negócios
para atender a esta demanda (SABA, 2006, p. 144-145).
Esse movimento, de mudança nas
academias do paradigma do fitness para o wellness, por tratar-se de uma mudança
determinada pela necessidade de melhoria de desempenho do negócio na acumulação
de capital, apresenta alguns outros aspectos que são fundamentais para sua
compreensão, todos eles relacionados com a necessidade de vender a mercadoria
produzida, como ampliar o público alvo para a venda da mercadoria e aumentar a
retenção ou aderência do cliente, concretizando uma segunda venda.
Há, por exemplo, uma necessidade de
ampliar seu público alvo, com as academias deixando de focalizar apenas a busca
pela estética que estaria muito mais ligada às pessoas jovens e passando a
enfocar homens e mulheres com idades mais elevadas e que buscam outros fatores
além da estética. Percebe-se esse processo no posicionamento a seguir:
O apelo para o corpo sarado já teve
seu tempo na década de 1990. As pessoas hoje buscam, também, qualidade de vida,
paz de espírito. Imaginem a foto de uma senhora no outdoor, fazendo ginástica e
dizendo: “Osteoporose não tem vez na minha vida... exercício sim!” (PEREIRA,
2005, p. 93).
O fim do chamado Estado do bem-estar
social, ou Welfare State, exerce uma influência importante nesse processo. Com
o início do neoliberalismo e o fim do Welfare State, o bem-estar da população
deixa de ser uma responsabilidade no âmbito do Estado e transfere-se para o
âmbito individual. Não mais Welfare State e sim Welness. Nesse contexto, o
indivíduo deve ir em busca de seu bem-estar, comprando-o como uma mercadoria. A
academia de ginástica surge como uma empresa que vende mercadorias para a
satisfação dessa necessidade. As empresas, nesse contexto, atuam com
responsabilidade social. A responsabilidade social da empresa é uma das
ideologias que ganha força com o neoliberalismo, acompanhando a
desresponsabilização do Estado pelo bem-estar social e a transferência dessa
responsabilidade para a esfera privada. Paralelamente ao grande incentivo ao
corpo com estética dentro dos padrões considerados belos, surgem extremos como,
por exemplo, casos de mortes ou problemas de saúde por consumo de anabolizantes
e por anorexia. Também surgem críticas a esse fenômeno que questionam o excesso
de práticas corporais e outros excessos em busca do corpo com estética
perfeita. Assim, uma empresa com responsabilidade social deve submeter a
estética ao crivo do bem-estar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As academias de ginástica, na
particularidade como se apresentam atualmente, possuem uma história recente, de
pouco mais de um século. Durante sua trajetória sofreram uma série de
transformações até chegar à fase atual. Essas transformações se intensificaram
principalmente nas últimas três décadas, quando as academias passaram a ser
mais exploradas como um negócio favorável para a acumulação de capital. Na sua
especificidade, passou por inovações tecnológicas em seus instrumentos de
produção e nas suas formas de organização do trabalho para a produção. Isso
gerou movimentos no ramo de alternância entre momentos de prosperidade e de
queda nas taxas de lucro.
Mas o próprio contexto da economia
capitalista nas mesmas últimas três décadas foi de transformações no mundo do
trabalho, visando superar uma crise estrutural do capital ocorrida na década de
1970. Esse contexto também influenciou em grande medida as transformações
ocorridas nas academias de ginástica, onde o aluno não é simplesmente um aluno,
é um cliente. A mercadoria não é produzida tendo como principal finalidade ser
consumida, mas ser vendida. O professor não é simplesmente um professor, é um
vendedor. Professor-vendedor e aluno-cliente em um ambiente onde a mercadoria
exerce a função sedutora de atração e conquista.
NOTAS
2 Reengenharia
“trata-se de da redefinição radical dos processos de trabalho, de ponta a
ponta, para obter resultados para o cliente [...] indica repensar os
fundamentos do negócio, redesenhando seus processos, para obter sensíveis
melhorias no desempenho empresarial...” (HELOANI, 2003, p. 219).
FROM FITNESS TO WELLNESS: THE THREE DEVELOPMENTAL STAGES OF FITNESS
CENTERS
ABSTRACT
This article approaches the changes occurred in fitness centers
throughout their history. The developments presented here are the result of a
research work conducted in the city of Goiania
by means of interviews with fitness center instructors and coordinators,
participant observation and document analysis. Results show that fitness
centers have gone through three stages in their historic development and these
stages are determined by the intensity with which production rationalization
processes were inserted. All three stages can currently be found in fitness
centers, as they develop unevenly. The change in the terminology used by the
centers, from fitness to wellness, is a fine example of this transformation
process.
KEYWORDS: Fitness centers – History – Fitness – Wellness
DEL FITNESS PARA LO WELLNESS: LAS TRES ETAPAS DEL DESARROLLO DE LOS
CENTROS DE GIMNASIA
RESUMEN
El articulo se refiere a las transformaciones ocurridas en centros de
gimnasia a lo largo de su historia. La elaboración aquí presentada es resultado
de una investigación desarrollada en la ciudad de Goiania, a través de
entrevistas con profesores y coordinadores de centros de gimnasia, así como la
observación participante y análisis de documentos. Se percibió que los centros
de gimnasia pasaron por tres etapas en su desarrollo histórico. Esas etapas son
determinados por la intensidad de inserción de la racionalización de
producción. Hoy pueden ser encontrados centros de gimnasia que se aproximan de
las tres etapas, pues el desarrollo referido pasa de forma desigual. El cambio
de la terminología utilizada por el centro de gimnasia, del fitness al
wellness, expresa de forma emblemática las transformaciones en cuestión.
PALABRAS-CLAVE: Centros de Gimnasia
– Historia – Fitness – Wellness
REFERÊNCIAS
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